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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Interpretando na 4ª edição

Uma das muitas acusações injustas feitas contra a 4ª edição de Dungeons & Dragons é de que ela é um “videogame de papel”, que não há interpretação (roleplaying), apenas combate. Na verdade, acontece o contrário: o D&D 4ª edição oferece mais ganchos para a interpretação do que todas as edições anteriores juntas, justamente naquilo em que ele é mais focado. O combate.

Antes de prosseguir com este artigo é necessário deixar uma coisa bem clara. Embora existam sistemas de jogo que estimulem ou mesmo privilegiem a interpretação, a arte do bom roleplaying não está vinculada a sistemas. A interpretação é independente do sistema e do cenário de jogo.
É por isso que há tantos “causos” de mesas de RPG, onde campanhas de Vampiro, a Máscara se tornaram aventuras de super-heróis sombrios com épicas lutas em ruas de fogo, enquanto campanhas de Dragonlance se arrastavam por horas e mais horas de diálogos existenciais. Então, se está faltando interpretação na sua mesa, não culpe o sistema de jogo. Dito isso, voltemos ao nosso tema.
Conforme as amostras da 4ª edição foram sendo liberadas pela Wizards, muitos reclamaram dos textos sucintos dos poderes, louvando os extensos textos das magias da 3ª edição. Ora, a verdade nua e crua é que os poderes (e os seus respectivos textos) da 4ª edição são mais simples, mais claros, mais funcionais e muito mais dinâmicos do que os confusos, complexos, dúbios e extensos textos da 3ª. E ainda por cima os poderes da 4ª edição possuem um diferencial: um pequeno texto descritivo sobre o efeito de cada poder.
Mais do que serem uma referência para as descrições dos Mestres de Jogo, esses textos oferecem ganchos para os jogadores interpretarem suas ações em combate, criarem cenas memoráveis com os seus personagens.
Quando comecei a ler o Player’s Handbook , a primeira coisa que me veio à cabeça ao ler o poder diário de 5º nível de clérigo Solo Consagrado (Consecrated Ground), foi um anão clérigo de Moradin batendo seu martelo no chão e clamando “Eu consagro este solo em nome de Moradin!” , ou bradando “Pelo Martelo de Moradin, eu ordeno que se afastem!” ao usar o seu Expulsar Mortos-Vivos. Ou então, uma bruxa meio-elfa apontando para um inimigo e dizendo “Você pagará caro por ferir meus amigos! Eu o amaldiçoo com a Bruma Dourada!” , ao lançar sua Maldição da Bruma Dourada.
Este é o tipo de interpretação que pode principalmente ser feita com os poderes de encontro e diários, mas também com os de uso sem limite, desde que vocês o façam de forma criativa, mudando sempre eles conforme a situação do combate. Mesmo com os por encontro e diários não é necessário dizer a mesma coisa. São poderes, não rituais. Mesmo as magias podem variar. Em vez do mago simplesmente gritar “Onda de Trovão” ao lançar o seu poder sem limite com esse nome, ele pode dizer “Onda de trovão, afaste esse goblins daqui!” .
Assim, um senhor da guerra ao usar sua Palavra Inspiradora (Inspiring Word) para curar o tiefling ladino do grupo, ao invés de meramente dizer a sua ação ou repetir a mesma interpretação, ele pode dizer: “Não desista, Yago! Você não está mais sozinhoo! Nós estamos aqui e lutaremos com você até a vitória!” – referindo-se ao passado do tiefling, que teve que se virar sozinho nas ruas para sobreviver.
No caso das classes marciais que não tem poderes de “buff” – guerreiro, ladino e ranger –, em princípio esse tipo de interpretação é mais complicada (não dá para o ladino bradar o seu ataque se ele estiver tentando se aproximar furtivamente), mas é possível de ser feita com uma boa dose de criatividade.
O melhor exemplo de como um personagem de classe marcial pode fazer isso é o personagem de Cyrano de Bergerac, que ao lutar a sua primeira cena de combate na peça, vai recitando um poema dizendo onde vai acertar os seus golpes. Para queles que não conhecem a história, eu sugiro a versão cinematográfica com Gérard Depardieu no papel título.
Então, eu imagino um ladino dizendo para um soldado inimigo ao usar o seu Floreio Astuto (Sly Flourish) “Por entre a armadura e o escudo eu te golpeio, pois eles não vão impedir o meu floreio” .
Para terminar, é preciso lembrar duas questões importantes. A primeira é que vocês precisam ter cuidado para não atrapalhar o bom andamento do jogo, por mais que este tipo de interpretação seja bacana. Vocês não precisam interpretar todo e qualquer golpe, especialmente se a sua mesa de jogo tiver muitos jogadores. Todos devem se divertir, não apenas aqueles que gostam mais de interpretar. Usem o bom senso, como sempre. Espere os momentos mais importantes ou dramáticos.
A segunda, é que nem todo mundo tem vontade de bancar o ator e os jogadores mais tímidos devem ser respeitados: cada um tem seu próprio tempo. Muito pior do que não dizer nada, é fazer uma interpretação forçada. Se o jogador mais tímido quiser apenas descrever o seu poder ou o seu golpe, o Mestre deve também recompensá-lo, porque ele estará dando o melhor que ele pode fazer. Com o tempo, quem sabe, ele também entrará no espírito do jogo e começará a faze este tipo de interpretação.
Mas ficam estas dicas de interpretação, para aqueles que quiserem colocar mais “tempero” em suas campanhas da 4ª edição, fazendo interpretações memoráveis e cheias de estilo em meio ao rolar dos dados.
Por Marcelo Telles

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